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COVID-19 e o setor elétrico: contratos em tempos de pandemia

O cenário mundial não discute outro assunto que não seja relacionado ao COVID 19. Do ponto de vista humanitário, a corrida contra o tempo e para que a vacina ou remédio chegue logo. Do ponto de vista econômico, especialistas do mundo inteiro questionam os impactos dos chamados isolamentos ou “lockouts”. Segundo levantamento da Allianz Euler Hermes, do grupo Allianz, os prejuízos somente com exportações devem somar 161 bilhões de dólares. A possível perda de vidas, se nadas for feito, também fica na casa dos milhões.

Sem dúvidas, as medidas governamentais de paralisação do comércio, indústria e circulação de pessoas com o objetivo de reduzir a disseminação do vírus têm impacto direto na economia e nos contratos em geral. Em tempos como esse, temos recebido muitos questionamentos sobre como ficam os contratos de compra e venda de equipamentos fotovoltaicos, muitas vezes firmados bem antes de tudo isso começar.

Dito isso, a primeira coisa a se ter em mente é a renegociação do contrato – que pode acontecer espontânea e livremente entre as Partes, ou por meio de um “empurrãozinho”.

Para te ajudar a entender melhor tudo isso, elencamos 5 institutos do direito que julgamos essenciais que vocês conheçam quando o assunto são contratos em tempos de pandemia:

1) Renegociar sempre é possível, mas nem sempre é uma obrigação:

Os princípios da probidade (honestidade) e da boa-fé contratual consagrados no art. 422 do Código Civil, convidam as partes contratantes a buscar, quando possível, renegociação contratual de modo a manter o contrato em vigor. Neste caso, a razoabilidade e a proporcionalidade devem sempre pautar as tratativas. Prazos e condições de pagamento são os temas que, em geral, demandarão renegociação neste momento.

Se, contudo, a outra parte não topar renegociar o contrato espontaneamente, o que fazer? Aí entram os 3 institutos seguintes.

2) O contrato ficou pesado de mais para uma das partes, ou teoria da onerosidade excessiva:

O art. 478 do Código Civil prevê a possibilidade de revisão ou resolução de contratos com base na “teoria da onerosidade excessiva”, aplicável quando uma situação inesperada ou extraordinária torna aquele contrato excessivamente oneroso para uma das partes.

Nesse ponto, destacamos o art. 421-A introduzido no Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica, o qual estabelece a possibilidade de revisão contratual de forma excepcional e limitada em situações de desequilíbrio. Vamos lá exercitar o juridiquês:

Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (…)

III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

Agora, a pandemia pode ocasionar esse desequilíbrio? Aqui, como em quase tudo no direito, a resposta é: depende. Sim, depende dos impactos que a pandemia e as medidas de combate a ela tiveram no seu Estado/ cidade e nos seus negócios.

Um ponto de atenção que vale citar: em 2019, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a desvalorização do real frente ao dólar ocorrida anos antes, na crise de 2008, que ocasionou variações excessivas em contratos de derivativos, não poderia justificar a revisão com base na nessa teoria, haja vista a natureza e riscos daquele tipo de contrato (REsp. 1.689.225). Ou seja, na ocasião o STJ entendeu que era da natureza daquele tipo de contrato se precaver contra riscos cambiais. Contudo, isso não significa que o mesmo entendimento seria aplicado a contratos que envolvam o fornecimento de sistemas fotovoltaicos.

3) Há indícios fortes de risco de inadimplência, ou da exceção de inseguridade:

Se uma das partes do contrato visivelmente der mostras de que sua capacidade de cumprir com o acordado (por ex., pagar parcela) está em risco, a outra parte pode solicitar a aplicação da exceção de inseguridade, cujo fundamento se encontra no artigo 477 do Código Civil. Segundo ele:

477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

Na prática, o que isso quer dizer? Que se você tiver indícios de que o seu cliente pode não ter condições de pagar a prestação do sistema, você pode postergar a instalação até que a situação dele melhore, ou até que ele pague ao menos uma das parcelas.

Mas aqui vale um ponto de atenção: a situação inversa também pode acontecer.

4) A pandemia vai impactar o cumprimento das obrigações, ou da força-maior:

Quando, após o contrato, acontecerem eventos de tal amplitude, repercussão e imprevisibilidade que impossibilitem o cumprimento regular do contrato, qualquer uma das partes pode se valer do instituto da força maior para excluir a responsabilidade prevista em contrato por inadimplemento.

“A doutrina também reforça a classificação de pandemias como evento de força maior. (…) Se a epidemia, por si só, já é um evento de força maior ou caso fortuito, com muito mais razão ainda são as medidas impostas pelo Poder Público visando combatê-la e que afetam diretamente as atividades empresarias”
(Fonte: Artigo Migalhas).

5) Se ainda assim a renegociação não deu certo, pode valer a pena procurar meios alternativos de resolução de conflitos:

Neste cenário, os meios alternativos de resolução de conflitos como conciliação e arbitragem tornam-se importantes protagonistas, tendo em vista que são instrumentos mais céleres que a Justiça comum, e que possuem igual caráter formal e vinculante.

Um ponto de atenção: a solução por Câmaras de Arbitragem costuma ser significativamente mais onerosa ($$) que a da justiça comum. Portanto, é preciso considerar se o tamanho e valor do contrato a ser discutido justificam essa solução.

O ideal, contudo, é sempre que as Partes busquem de boa-fé meios que permitam que o contrato continue vigente. Isso porque ao se chamar um terceiro, que muitas vezes conhece pouco sobre o setor e sobre a realidade daquele contrato, para que decida sobre o tema, o resultado esperado pode não ser atingido.

Por fim, dito tudo isso, é importante ressaltar que os efeitos que a Pandemia causada pelo COVID-19 vai ter sobre os contratos e a forma como ela vai ser considerada na análise da aplicação de cada um dos institutos citados acima ainda é um ponto cujo entendimento será, aos poucos, construído em nosso país e jurisprudência.

A continuidade das relações comerciais e industriais, seja da seara fotovoltaica ou não, é importante para minimizar os impactos econômicos mundiais pós corona vírus. Ainda que o ordenamento jurídico tenha previsão de institutos para socorrer os contratantes e manter a continuidade das relações comerciais, é preciso cautela, pois muitos desses institutos são subjetivos e dependem da análise do caso concreto. 

Ficou com alguma dúvida? É só deixar um comentário.

*Este texto faz parte do Desafio #360NoSetorEletrico e foi escrito em parceria com o Direito Sem Treta, um projeto que visa descomplicar os principais temas do direito – conheça o projeto e os conteúdos pelo perfil @direito.semtreta, no instagram.

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