Geração Distribuída

A geração distribuída, o setor elétrico e o futuro do Sistema de Compensação

O setor elétrico é composto por uma diversidade de agentes, que se organizam em torno de dois grandes ambientes – o Ambiente de Contratação Regulada (ACR, popularmente chamado de mercado cativo) e o Ambiente de Contratação Livre (ACL, popularmente chamado de mercado livre). Nestes ambientes, eles desenvolvem suas atividades econômicas de acordo com as regras estabelecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), pelo Ministério de Minas e Energia e, por fim, pelo Congresso Nacional, que tem soberania frente aos dois anteriores.

A existência de tantos agentes e tantos órgãos em um único setor faz com que haja uma complexa teia de portarias, resoluções e leis, aos quais costumamos chamar de arcabouço normativo do setor elétrico brasileiro.

Dentre diversas reformas e esforços pelos quais o país tem passado – da Previdência à Administrativa, encontra-se também a reforma do setor elétrico, cujo objetivo primordial é o de solucionar diversos dos entraves hoje existentes e que terminam, quase que invariavelmente, em judicialização.

A revisão das regras da geração distribuída cunhada pela Resolução Normativa 482 (REN 482), em 2012, é, sob muitos aspectos, mais um dos elementos que, em última instância, buscam remodelar o setor. E é ela que será o foco deste artigo.

A vinda do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), criado pela REN 482, foi pautado em projetos de geração distribuída de pequeno porte – quais sejam, aqueles com potência de até 5 MW.

Por meio de tal Sistema de Compensação, o ACR ganhou muito mais propulsão e destaque, atraindo uma nova categoria de investidores, empreendedores e passando a se tornar algo mais tangível ao próprio consumidor cativo, que passou a ter, pela primeira vez, a possibilidade de ser um protagonista e verdadeiro agente de mudança dentro do setor.

De lá para cá, a geração distribuída no formato do SCEE cresceu exponencialmente e as projeções para 2020 indicam que a tendência irá ser mantida. De acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), a geração distribuída terminará o ano de 2020 com 5,4 GW de capacidade instalada somente da fonte solar fotovoltaica, um crescimento de 170% frente ao acumulado até o fim do ano de 2019.

Fonte: ABSOLAR, 2020.

Em outras palavras, tal crescimento representa a geração de 120 mil novos empregos, que virão também dos R$19,7 bilhões a serem investidos pelo setor no país ainda em 2020 (projeções também da ABSOLAR).

A concretização deste número e a continuidade deste ritmo de expansão dependerão, contudo, dos rumos que a atual revisão da REN 482 venha a tomar.

Iniciada pela ANEEL em maio 2018, com a abertura da Consulta Pública número 10, o processo de revisão administrativa tem sido marcado por diversos acontecimentos que trazem desconforto ao setor. Foram tantos acontecimentos que necessária se faz uma breve recapitulação:

a) A Consulta Pública supracitada se encerrou em julho do mesmo ano, tendo recebido 1.511 contribuições de diversos agentes;

b) Em janeiro de 2019, a ANEEL publicou a Análise de Impacto Regulatório (AIR), o documento no qual ela analisou as mudanças possíveis e sugeriu, dentre as seis alternativas possíveis (apresentadas na imagem a seguir), caminhos a serem seguidos;

c) A publicação da AIR deu início, com atrasos frente ao cronograma inicialmente sugerido, à segunda etapa do processo de revisão, chamado de audiência pública da AIR. Para esta etapa, previu-se a realização de três audiências públicas presenciais em Brasília, São Paulo e Fortaleza;

Alternativas apresentadas pela ANEEL para valoração dos créditos de energia oriundos do SCEE:

Fonte: ANEEL, 2018.

d) Encerrada a segunda etapa no primeiro semestre de 2019, a terceira etapa foi iniciada em outubro do mesmo ano, por meio da abertura da Consulta Público de Texto. Nela, a ANEEL informou ao setor sobre a alteração na metodologia que estava sendo adotada e de que desta mudança resultaria a vinda de uma nova proposta pela Agência;

e) Nela, a ANEEL passava a sugerir, em síntese, a adoção da alternativa 05 para os projetos de GD. Ou seja, a vinda de alternativa tão severa que levaria, em última instância, à completa inviabilização de diversos projetos, notadamente os envolvendo às modalidades de geração compartilhada. A coleta de contribuições a esta etapa, que já envolvia comentários ao próprio texto proposto para a nova resolução, que alteraria a REN 482, terminou no dia 30 de dezembro de 2019.

f) Agora, a ANEEL analisa as contribuições recebidas para decidir se manterá sua sugestão de texto – e, por consequência, de alternativa – ou se a alterará.

Não obstante, todo esse percurso seguido pelo procedimento de revisão em tramitação administrativa e as mudanças promovidas pela ANEEL no que foi a terceira etapa do processo (a Consulta Pública de texto) despertaram no setor a urgência de se buscar uma solução a toda essa questão capaz de trazer verdadeiro equilíbrio entre os agentes e, além disso, estabilidade jurídica e regulatória aos projetos e aos consumidores. Características essas que pareceram cada vez mais difíceis de serem alcançadas somente por meio da atuação da autarquia setorial.

Foi então que se buscou apoio do Congresso Nacional. Com o dever de representar os interesses do cidadão, deputados e senadores passaram a se inteirar mais sobre o tema e a levantar, de forma suprapartidária, a bandeira da defesa da energia solar e, mais do que isso, do direito de cada consumidor produzir a própria energia e ser capaz de receber créditos em sua conta de luz em proporção compatível aos benefícios trazidos por este consumidor ao setor elétrico e à sociedade.

De outubro de 2019, quando começou a movimentação mais forte do tema no Congresso, a março de 2020, Projetos de Lei (PL) foram sendo apresentados por parlamentares sobre o tema. Embora variem com relação à proposta específica, todos eles tratam – em maior ou menor grau – da manutenção do sistema de compensação em moldes muito semelhantes aos atuais.

Nesse sentido, o Projeto de Lei que tramitou com mais velocidade até o momento foi o do deputado Silas Câmara – PL 5829/2019 -, que chegou a ser analisado pelo relator na primeira Comissão a que será submetido – a de Minas e Energia (CME).

O setor tem discutido a apresentação de outro PL, desta vez, articulado pelo deputado Lafayette de Andrada. A proposta poderia tramitar em paralelo ao PL do Silas ou mesmo vir na forma de um substitutivo a ele. A estratégia em si, bem como o detalhe das proposições trazidas, só será conhecida quando o texto for efetivamente apresentado – fato que, até a data de edição deste artigo, ainda não havia acontecido.

Enquanto tal momento não chega, vamos aos três principais fatos que são, por hora, conhecidos.

  1. O PL estabelecerá um cronograma gradativo para que os projetos do SCEE façam o pagamento integral da parcela referente ao fio B (cerca de 28% do valor total da tarifa líquida de energia), em cerca de 10 anos. Para fins de melhor entendimento, vale lembrar que o pagamento integral do fio B seria equivalente à Alternativa 01 proposta pela ANEEL. O que determinará a forma como tal escalonamento acontecerá é a modalidade de conexão do projeto;
  1. O PL estabelecerá o pagamento da TUSD G aos projetos em média tensão. Para fins comparativos, a TUSD G é equivalente a 30% do valor da TUSD (demanda contratada) paga atualmente pelas usinas tarifadas no grupo A;
  1. O PL respeitará o direito adquirido dos empreendimentos existentes, que manterão o sistema de compensação atual, ou seja, 100% de compensação, sem considerar regras tributárias até 31 de dezembro de 2045.

Como dito acima, todas essas questões só poderão ser devidamente confirmadas quando o texto estiver protocolado. Contudo, o panorama traçado parece de fato ser bastante favorável à GD. O único ponto de interrogação que resta diz respeito à tramitação do projeto, seja por uma questão de prazo, seja em virtude das alterações que podem ocorrer ao longo do caminho.

Muito se tem falado sobre uma tramitação em regime de urgência, que seria capaz de acelerar todos estes trâmites e reduzir os percalços. Essas são, contudo, cenas do próximo capítulo.

Fato é que a revisão administrativa da ANEEL continua ocorrendo, não havendo qualquer suspensão formal a ela. Portanto, se o Congresso tardar a apreciar o tema, uma vez submetido, o assunto pode acabar sendo decidido pela Agência, antes de ser solucionado, de uma vez por todas, pelos representantes do povo.

No exercício de pensar o futuro do setor é importante ter em mente que, dentre a (quase) infinidade de projetos regulatórios e legislativos que têm por objetivo promover alteração ao setor elétrico, existem alguns que carregam o mesmo potencial de impacto, contudo caminham às sombras, recebendo, por isso, menos atenção e holofotes.

Dentre eles, destacamos o PLS 232/2018, recentemente aprovado pela Comissão de Infraestrutura do Senado, e o processo de análise de implementação de uma tarifa multipartes (popularmente chamada de tarifa binômia) para os consumidores de baixa tensão. Este processo, administrativo e conduzido pela ANEEL, iniciou-se em 2018 e, não obstant,e sua previsão de conclusão em 2019 continua em aberto e, por hora, sem data para encerramento.

Ficar atento a todos esses processos é também uma competência a ser desenvolvida pelas empresas que queiram se manter relevantes e preparadas para as profundas transformações que o setor passa.

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